Por muitos anos, eles chegavam em bandos para fazer compras e visitar
os parques da Disney. Agora, muitos brasileiros também vêm a Orlando para
ficar.
Fugindo da crise econômica na terra natal, eles integram uma nova
onda de imigração brasileira nos Estados Unidos e estão transformando a cidade
num novo polo do Brasil no país.
A presença do grupo é mais visível na International Drive, via onde
bolsões comerciais concentram padarias, restaurantes e mercados brasileiros. Em
março, o Banco do Brasil inaugurou ali sua terceira agência nos Estados Unidos
- as outras ficam em Miami e Nova York.
A prefeitura de Orlando estima que 30 mil brasileiros vivam hoje na
cidade, mas residentes mais antigos acham a cifra conservadora.
Para a curitibana Vera Giatti, que passou os últimos 12 de seus 53
anos em Orlando, a comunidade deve ser pelo menos duas vezes maior. Ela afirma
que, quando se mudou para a cidade para trabalhar como faxineira, 5 mil
compatriotas moravam ali.
Giatti diz que o grupo cresceu conforme brasileiros se tornaram o
maior grupo de turistas estrangeiros em Orlando e as lojas passaram a contratar
vendedores que falassem português.
Cerca de 770 mil brasileiros visitam a cidade todos os anos, e o
grupo também lidera o ranking dos que mais gastam na cidade.
Com o tempo, imigrantes que haviam conseguido juntar algum dinheiro
também começaram a abrir negócios. Foi o caso de Giatti, hoje dona de duas
franquias da rede brasileira de restaurantes Giraffas.
"Por falar português, hoje um brasileiro documentado em Orlando
ganha mais do que um americano", ela diz à BBC Brasil. Giatti afirma,
porém, que se a valorização do dólar e a crise no Brasil reduzirem o fluxo de
turistas, muitos brasileiros poderão perder o emprego.
De subempregados a investidores
Ela nota diferenças entre os imigrantes de sua época e a leva atual,
que encorpou a partir do segundo semestre de 2014. "Antes, vinha muita
gente que ficava no subemprego. Hoje muitos vêm para investir e já chegam
comprando tudo."
Para dar conta da demanda, a imobiliária Florida Connexion conta hoje
em Orlando com 40 corretores, quase todos fluentes em português.
"Muitos brasileiros que antes olhavam Miami como um destino
natural agora estão vindo para cá", diz a dona da agência, a brasileira
Rosana Rotondo de Almeida, de 55 anos.
Em 2014, ela diz ter fechado com clientes brasileiros 250 negócios no
valor de US$ 70 milhões (R$ 249 milhões).
Segundo a imobiliária brasileira Lello, que também opera na Flórida,
mesmo com a alta do dólar as compras de imóveis por brasileiros em Orlando
cresceram 38% no primeiro semestre em relação ao mesmo período de 2014. Em
Miami, as vendas subiram 15%.
Almeida afirma que a maioria dos clientes em Orlando são famílias que
buscam "tranquilidade, segurança e querem distância do trânsito e da
badalação de Miami".
Enquanto US$ 220 mil (R$ 786 mil) bastam para comprar uma casa nova
com três quartos na cidade, imóveis equivalentes em Miami podem custam três
vezes mais. Muitos também compram residências em Orlando como investimento ou
para passar férias, ela diz.
Dona de imobiliária, Rosana diz que 250 negócios com brasileiros
foram fechados no ano passado.
"Damos as boas-vindas aos brasileiros", ele diz à BBC
Brasil. "Somos uma cidade que abraça a diversidade".
Dyer diz que o restaurante preferido do seu filho é uma churrascaria
rodízio e cita, entre os principais investimentos brasileiros na cidade, a
compra do time de futebol Orlando City pelo empresário carioca Flavio Augusto
da Silva, em 2012.
Desde que assumiu o clube, Silva contratou o jogador Kaká e anunciou
a construção de um novo estádio.
Parte da obra será bancada por brasileiros, que compraram quase dois
terços das 99 cotas de US$ 500 mil (R$ 1,8 milhão) que financiarão o estádio.
Ao desembolsar o valor, eles se qualificam para o visto E-B5, que dá à família
o direito de residir no país.
As escolas públicas da região tentam se adaptar aos novos alunos
brasileiros. Um escola em Winter Garden, cidade na região metropolitana de
Orlando, tinha 15 estudantes brasileiros em 2014. Em janeiro, o número dobrou.
A pedagoga paulista Kátia Franhani, que se mudou para a cidade em
abril do ano passado, foi contratada para auxiliar o grupo em sua adaptação.
"Há um apoio do governo para que os alunos não fiquem isolados, o que é
essencial nessa primeira fase", ela diz.
"Aqui, vivo na pele aquele ditado de tirar o sustento com o
próprio suor", diz à BBC Brasil a fortalezense Raquel (nome fictício), de
24 anos.
Na cidade há quatro meses e formada em administração de empresas, ela
afirma que sempre quis visitar Orlando como turista.
Quando a crise no Brasil apertou e a empresa em que trabalhava a
demitiu, Raquel decidiu arriscar e ir morar com uma prima em Orlando.
Desembarcou com um visto de turista e, em poucos dias, começou a trabalhar como
diarista.
Diz ganhar hoje até US$ 1.800 por mês (R$ 6,4 mil), mais de três
vezes o que recebia trabalhando como analista no Brasil. Com os primeiros
pagamentos, visitou dois parques da Disney. "Realizei um sonho."
Raquel diz que não pretende trabalhar como faxineira por muito tempo:
quer juntar dinheiro para pagar um curso de inglês e trocar o visto por um de
estudante. A hipótese de morar ilegalmente no país a assusta.
"Tenho medo de acontecer algo com minha família no Brasil e eu
não poder voltar. Ficaria com remorso pelo resto da vida", afirma.
Raquel, que no Brasil era católica, passou a frequentar a Primeira
Igreja Batista Brasileira de Orlando. Ela diz que buscava na igreja amigos, mas
ganhou "uma família".
No escritório acarpetado à entrada do templo, numa zona industrial de
Orlando, o funcionário da igreja Fábio Rocha, 33 anos, compara o momento da
comunidade brasileira da cidade ao vivido em 1999, quando ele chegou ali. Na
época, "em todo culto tinha uma nova família".
Na década seguinte, temores sobre os efeitos do 11 de Setembro
fizeram o grupo minguar. Outro êxodo, diz ele, ocorreu a partir de 2007, quando
a economia americana mergulhou na sua maior crise em várias décadas e o Brasil
atravessava situação inversa.
Fé e saudades
Os movimentos migratórios se refletiam no número de igrejas
brasileiras em Orlando. "Quando o povo está chegando, várias igrejas
abrem; quando vão embora, elas fecham."
Atualmente, há oito igrejas batistas brasileiras na cidade, além de
dezenas de templos de várias outras denominações. De 2014 para cá, Rocha diz
que voltou a se sentir "como nos anos 90".
"Tem gente que passou a frequentar a igreja que eu ainda nem
conheci".
Embora a maioria dos que migram hoje chegue em situação mais
confortável que as levas anteriores - algo que para ele reflete a melhoria nas
condições gerais do Brasil -, ele diz que há quem procure a igreja sem ter o
que comer.
"Aqui não existe rede de proteção social. Se um pai que sustenta
a família adoece e deixa de trabalhar, a casa passa a viver em penúria".
Outros fiéis buscam na igreja conforto para lidar com a saudade.
Rocha tira de uma gaveta formulários que a igreja entregou a seus membros perguntando
como poderia melhorar a relação com o grupo.
Entre vários pedidos de ajuda com questões migratórias, um fiel
escreveu em inglês: "Been here too long - miss my family" (Estou aqui
há muito tempo - sinto falta da minha família).
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