Edson
Santos, de 43 anos, (de vermelho) e os amigos recolhem
alimentos
que não serão aproveitados pelos comerciantes
para
distribuir entre familias carentes na Baixada
Foto: João
Laet / Agência O Dia
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Na contramão da campanha contra o
desperdício, só em uma loja na Ceasa é jogada fora uma tonelada de mamões por
dia
Desbravar os caminhos do
desperdício é tangenciar a insensatez. Além das 382 mil toneladas de frutas,
verduras e legumes perdidas durante a colheita, o Estado do Rio de Janeiro
descarta mais 20% a 30% dos produtos nas centrais de distribuição. Como a
produção anual é de 1,148 milhão de toneladas, significa que há desperdício de
287 mil toneladas depois que os alimentos chegam aos pontos de abastecimento.
Se somarmos as duas perdas, o estado desperdiça nada menos que 670 mil
toneladas de frutas, legumes e verduras, por ano.
Um desses pontos de abastecimento
é a Ceasa de Irajá, que poderia receber o título de campeã do desperdício no
Estado do Rio, sem perigo de exageros. Durante três dias, em horários
diferentes, O DIA acompanhou os trabalhos de descarregamento, triagem e
descarte dos alimentos no local. Numa única loja que comercializa frutas, a
Vieira Rodrigues, uma tonelada de mamão formosa (cada fruta pesa em média 1,8
kg) é jogada no lixo, diariamente.
Na Vieira Rodrigues, numa
madrugada de junho, entre 3h e 5h um único descarregador atirou ao fosso 300
mamões — o que equivale a um mamão descartado por minuto. Um adjetivo pode
definir com exatidão as cenas registradas: descalabro.
Os produtos são descarregados numa
plataforma chamada de pedra, na qual os caminhões encostam a traseira para a
retirada das mercadorias. A altura entre a pedra e as rodas dos caminhões é de
1,60 m, aproximadamente. É dessa altura que os descarregadores atiram os
alimentos no chão, que vira um fosso. Embora absolutamente aptos ao consumo
humano, frutas, verduras e legumes são jogados fora puramente por questões
estéticas — um amassadinho ali, uma marca de ripa de caixote acolá. Muitos se
espatifam no cimento.
Nos dois lados da plataforma há
enormes caçambas de lixo, que também ficam abarrotadas de alimentos e se transformam
em gôndolas para as pessoas que chegam de manhã com seus carrinhos de feira.
Uma altura de apenas 1,60 m separa a fartura e o desperdício, da fome e da
busca pela sobrevivência.
“Perde-se por dia, em média, uma tonelada de
mamões. No verão a perda é maior ainda. Quase dobra a quantidade jogada fora”,
revelou Aloísio Renato Gonçalves, de 47 anos, que lidera a triagem da fruta em
frente à Vieira Rodrigues. O proprietário da loja, Fernando Vieira, conta que
compra diariamente 40 mil quilos da fruta. “Divido o prejuízo do descarte com o
produtor”, disse.
Os mamões chegam em caminhões
abarrotados de caixotes empilhados. Para fazer a seleção, é preciso retirar as
frutas dos caixotes e colocá-las num imenso tabuleiro de madeira. Nesse
processo, mais mamões são danificados. É notório que os trabalhadores não dominam
técnicas de manuseio: despejam as caixas sobre o tabuleiro. Vez ou outra, ao se
mover, um deles acaba pisando nas frutas.
Os mamões saem da Bahia e Espírito
Santo para o Rio, e muitos amadurecem entre a colheita e o transporte, segundo
os descarregadores — o que impede a comercialização. A forma como são
transportados também contribui para causar danos na fruta. Na maior parte dos
caixotes, os mamões ultrapassam a borda. Outra caixa é posta em cima, e outra,
e outra. Dessa maneira, as frutas que estão na última fileira de cada caixa
acabam danificadas pelo peso das de cima.
Não há regras para o descarte dos
mamões fora de padrões para a venda. Por exemplo: dos cinco homens que
descarregavam e faziam a separação das frutas, apenas dois descartavam parte
dos mamões em caixotes separados para doação. Mas não há qualquer cuidado no
acondicionamento. A frutas são simplesmente atiradas dentro dos caixotes. O que
tinha um amassadinho, ficava com um amassadão. Depois de encherem 12 caixas,
passaram a jogar os mamões no fosso.
Às 4h50, havia 12 caixotes
repletos de mamões para descarte. Em cada caixote havia cerca de oito mamões.
Portanto, só nos caixotes havia 96 mamões — mas que iriam para doação. Às 9h, o
pastor Davi Francisco de Assis, responsável por quatro igrejas da Assembleia de
Deus Trindade Santa, recolhia doações. Suas igrejas ficam em Costa Barros,
Belford Roxo, Realengo e Acari. Ele ajuda 80 famílias que vivem abaixo da linha
da pobreza. “Venho aqui às terças-feiras. Levo tudo o que encontro de bom. Há
lojistas que separam para me dar”, alegrou-se.
Sobras são usadas como ração e abuso
O alimento que mais perece é a
verdura. Em questão de poucas horas, por exemplo, um molho de alface passa de
brilhante e fresco a fosco e sem vida. Os caminhões chegam à Ceasa por volta da
meia-noite, e o descarregamento ocorre normalmente a partir das 2h. Por volta
das 8h, é nítido o desânimo nos rostos dos verdureiros que não conseguiram
vender toda a mercadoria.
Henrique Leal de Oliveira, de 40
anos, é uma dessas pessoas. “As folhas que a gente retira em volta são poucas.
O problema é que se eu não vender, tenho que jogar fora, porque as verduras
murcham. Então, levo de volta e dou como ração para minha criação de galinhas e
patos e meus quatro boizinhos”, contou.
Henrique colhe todo dia 150 caixas
de verduras, com 18 pés cada. Portanto, leva para venda na Ceasa 2.700 pés. Ele
afirma que retorna sempre com 20% da mercadoria. Ou seja: o desperdício é de
540 pés por dia. Paulo Fernando Flores da Silva, 42 anos, mora em Teresópolis.
Às 8h, ele já havia separado mais de 30 caixas com 18 pés de alface cada,
porque a hortaliça perdera o viço. Nada menos que 540 pés da verdura,
totalmente aptos ao consumo humano, foram desperdiçados.
“Vai virar ração de boi”, afirmou.
Segundo ele, no sábado anterior, 13 de junho, jogara fora 50 caixas de alface
(900 pés). Paulo baixou o preço para R$ 2 a caixa, mas mesmo assim não
conseguiu vender.
Paulo Sérgio da Silva Viana, 42
anos, também produz verduras, em Friburgo, e leva o produto para a venda na
pedra da Ceasa. “Perco em torno de 20%. Volto com as hortaliças e despejo na
terra para servir como adubo. É uma situação muito triste. A gente se mata
trabalhando, colhe as verduras, amarga perda na plantação, e chega aqui e toma
mais prejuízo ainda”, queixou-se.
O Dia
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